“De mãos dadas para vergonha do Reino de Deus”
Na história do Brasil, o racismo tem cadeira cativa, pois, graças a esta moléstia, irmãos escravizados foram trazidos para as terras Tupiniquins, sem direito a se quer manterem seus nomes. Desde 1538, quando os primeiros lotes de escravizados chegaram aqui, e passaram a dar lucros aos sequestradores desta terra, abriu-se um grande espaço, principalmente para um povo branco e europeu, que aos olhos dos índios, os verdadeiros donos desta terra, eram muito estranhos.
Em 1625, chega ao Brasil, a primeira igreja evangélica. Vinda da Holanda, de cunho calvinista e “discipulada” por Maurício de Nassau, a Igreja Evangélica Reformada Potiguara, se instala em Recife, Pernambuco, por iniciativa dos índios potiguara e a chegada dos missionários Holandeses. Vale ressaltar, que essa igreja se serviu do processo escravagista, onde, não poupou acolher escravos, fazendo valer sua teologia, pois, acreditava-se que o povo da pele preta, estava condenado, desde 1400 a.C, a servir os brancos, os quais se entendiam como predestinados a serem servidos.
Essa ideia não se limitou a esse século, pois, nos anos de 1835, igrejas consideradas históricas, como: Metodistas, Presbiterianas e Batistas, que no Brasil já estavam, mantiveram a “zona de conforto”, mesmo que pregasse contra todo tipo de exploração. Ser escravagista, era portar um tipo de status, o qual, por meio da fé, esse podia! Em treze de maio de 1888, foi instaurada a abolição da escravatura, mas, o que marcou mesmo, foi que nenhuma igreja evangélica acolheu, se quer, um negro como membro ou adepto de sua igreja. É de se destacar, que todo negro era visto como um ser sujo, sub-humano, servente e sobretudo, amaldiçoado. Contamos também, que os primeiros teólogos, a partir do século 7, cristalizaram que negros iam para inferno, e por isso, deveriam estar sempre estar longe das pessoas de bem, e pessoas de bem eram boas, por isso eram brancas! Em 1305, o Italiano Giotto di Bordone, faz a 1ª pintura de Cristo, uma pessoa branca, olhos azuis e cabelos lisos. Essa pintura ajudou a solidificar esse Cristo europeu, que na verdade parecia ser filho do Homem de Gelo. O fato é que de 1888 a 1910, enquanto famílias negras, “ex escravizadas”, trabalhavam sob um forte rigor de exploração, indo muitos a óbito, alguns negros até frequentavam igrejas protestantes, mas, ainda eram classificados como sub-raça.
Em 1910, chega no Pará, na cidade de Belém, os irmãos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Protestantes, missionários Suecos, representando a Igreja Evangélica Missão Apostólica da Fé. Igreja carismática, a qual pregava sob o prisma do Batismo do Espírito Santo, acolhe negros, os ensina ler e escrever, e com isso, marca uma era, e dá aos ex escravizados, uma nova dinâmica de vida. Agora, negros são alfabetizados, conjecturam, participam das decisões nas assembleias, representam grupos, e a igreja que até aquele momento, tem forte conotação missionária e social, após marcar sua estada naquela cidade, em 1918, passa a ser chamada Assembleia de Deus. Essa igreja se populariza com o diferencial, é igreja de negros e pobres, e a partir de 1955, nascem desse mesmo viés teológico, as igrejas: O Brasil Para Cristo, Congregação Cristã do Brasil e Igreja do Evangelho Quadrangular. Igrejas que além de acolherem pobres e negros, dão a esses a oportunidade de liderarem reuniões, pregarem nos cultos públicos, mas, ainda assim, a todo momento, desde 1910, são esses negros alvos de desconfianças, piadas e conversas paralelas.
As igrejas consideradas histórias, as mesmas que já estavam no Brasil desde o início do século 19 e foram omissas as covardias praticadas aos irmãos negros, no meado do século 20, declaram-se autônomas e passam a buscar ser uma igreja “com a cara do Brasil”. Porém, ainda mantém uma liturgia europeia! Enquanto essas igrejas demonizavam instrumentos como: bateria, guitarra, violão, contrabaixo e outros, as igrejas pentecostais, acolhiam todos os tipos de instrumentos, dançavam em cultos, oportunizavam pessoas e buscavam contagiar a vizinhança. As igrejas europeias, vestidas de verde e amarelo, entendiam que apenas o órgão ou piano eram instrumentos santos, mas, ser pianista ou organista, era a consequência de um tempo de estudo e preparo. Ao mesmo tempo, professores para esses instrumentos não eram comuns! Por outro lado, ninguém imaginava, ser possível um negro ou uma pessoa humilde executando esses instrumentos. O racismo dificultava ou proibia negros e pobres estarem nesses espaços. Com isso, as igrejas históricas estavam a cada dia mais embranquecidas e vazias, e os poucos negros que lá frequentavam, eram pessoas escanteadas, subalternizadas e mesmo alfabetizadas, estavam longe dos espaços de fala, e no máximo, eram sub líder, sub auxiliar ou atuavam na liderança de um processo que ninguém queria!
Os anos de 1980, são marcados pelo surgimento das Igrejas Independentes, Associações, Convenções, Conselhos e Juntas evangélicas. Ressaltamos que esses movimentos, tiveram início, mesmo que tímido, a partir de 1960. Igrejas como: Metodista Wesleyana, Batista Independente (reorganização), Igreja Ceifa e outras igrejas, que nasceram em busca de uma nova realidade, onde existisse maior liberdade litúrgica e missionária, sobretudo, com o D.N.A do Brasil. Muitas pessoas saíram das igrejas históricas por racismo sim, uma vez que desde 1951, no Brasil, racismo é crime. E foi na década de 1980, que se a severa o crime de racismo. O movimento carismático, tem na sua maioria, pessoas negras, as quais são professores, pastores, bispos e outras autoridades. O movimento carismático, se evidencia por meio de ações educacionais, sociais e políticas, se preocupando com condição emocional, familiar e profissional de seus adeptos, dando a todos, acesso a situações e realidades, que outrora eram privilégios de poucos. Mas a ênfase desse movimento é a ação poderosa do Espírito Santo.
Segundo o censo do ano 2000, o Brasil registrava 169 milhões de habitantes, sendo: 26 milhões de evangélicos (15,4% da população), 16 milhões de carismáticos, onde 43% eram negros. Já o censo de 2022, apresenta o Brasil com 212,6 milhões de habitantes, 47,4 milhões de evangélicos (27% da população), 29 milhões de carismáticos e 70% dos carismáticos são negros, o que corresponde a 20,3 milhões de negros evangélicos. O Brasil é “crente”, negro e carismático. Em meio a esse registro, ainda hoje, a igreja evangélica brasileira, é desafiada a ter uma liturgia brasileira e cristocêntrica. O Brasil é um país miscigenado e isso se reflete dentro da igreja. Ao mesmo tempo, nota-se que os negros da igreja, mesmo sendo a maioria, NÃO COMPOEM A LIDERANÇA DESSA IGREJA! A Igreja evangélica brasileira, é negra e carismática. Mas, liderada por brancos.
O racismo sistêmico, o qual chamamos de racismo estrutural, é um fenômeno nascente por meio do desserviço teológico, filho da maldade excludente, o qual menospreza, subestima e classifica pessoas em detrimento as outras. Desde a Maldição de Cam, o negro é visto como menos inteligente ou menos capaz. E sempre que se destaca, é até “aceito”, mas, sempre com desconfiança! Muitos negros, chefes de família, ao longo dos séculos, ensinaram aos seus filhos, que eles eram incapazes de se realizarem e deveriam se alegrar com o pouco que tinham! Essa triste realidade, que foi imposta em 1836, quando a Europa invadiu o continente Africano, dizendo que africanos deveriam servir a brancos. Foi nesta oportunidade, que a Europa, por explorar as terras africanas, se enriqueceu e até hoje, olha desejosamente retornar e tomar o que nunca foi dela! Além de acabar a dignidade das pessoas e tomar suas terras, a Europa, também é responsável por uma das maiores chacinas registradas na história da humanidade. Essa imposição, teve o apoio dos crentes europeus e missionários da época. Isso gerou de forma crônica e doentia, à milhares de gerações de negros, por meio de uma psico síndrome, a certeza de que negro não pode, e se puder, é apenas com a permissão do outro. E esse outro, é o branco.
Desde a década de 1970, negros e negras, tem se posicionados para quebrar essa falácia e dar um novo tempo e perfil a comunidade Afrobrasileira. Não falávamos sobre personagens negros da bíblia, assim como não tínhamos pastores, pastoras e tantas autoridades negras na igreja evangélica brasileira. Henrique Viera, Pastor negro, publicou em 2022, o livro Jesus Negro, o que já havia provocado, no ano 2000 uma grande inquietação a muitas pessoas, mesmo as igrejas históricas, não sendo como no século 19 e início do século 20, e sim, mais includentes. Mas, não livres de racismo. Hoje, a tendencia é que tenhamos para os próximos anos, uma igreja ainda mais negra, com líderes negros que inspire outros tantos negros. Vale dizer que hoje, há negros em todas as camadas e profissões da sociedade, e assim esperamos que seja a igreja brasileira.
Podemos afirmar que protestantismo e racismo no Brasil, andam muito próximos, quase de mãos dadas! Mas, o evangelho é libertador e que Deus em sua essência, não é pai de um, mas, Pai nosso e nos ama de igual modo. Pois, Deus não faz acepção de pessoas – At. 10. 34-35. Abraços,
Ozéas da Silva Alvarenga – Pastor Metodista – 4ª R.E
Teólogo e Historiador
Coord. Reg. Combate ao Racismo.